Desde o ano 500 a.C., Heráclito já preconizava que “não existe nada permanente, exceto a mudança”. No entanto, nos últimos anos, temos visto esta frase rechear milhares de palestras e workshops, que vão desde a modalidade de autoajuda até abordagens sobre metodologias inovadoras de administração ou transformação digital.

A grande novidade que estamos vivendo hoje não é ocorrência de mudanças, mas a velocidade com que elas estão ocorrendo. Em outras palavras, no mundo atual, a grande mudança é justamente a velocidade das mudanças.

Novas tecnologias estão transformando o mundo à nossa volta, subvertendo a forma como nos comunicamos, consumimos bens e serviços, ou nos relacionamos com outras pessoas.

Modelos de negócios inovadores estão colocando em cheque setores do mercado até então considerados extremamente sólidos, como o setor financeiro, telefonia, transportes e hotelaria, para ficar nos mais evidentes.

Segundo Jeff Bezos, CEO da Amazon, as empresas que estão revolucionando o mundo com modelos digitais e inovadores, tem em comum a “obsessão pelo consumidor”. E este consumidor também tem mudado rapidamente. Com acesso a uma base infinita de informações, os consumidores estão cada vez mais exigentes e conectados. E querem ser atendidos de forma rápida e eficiente.

Será que as organizações estão preparadas para este novo cenário?

A palavra-chave para se adequar a esta nova realidade do mercado é “agilidade”. Mas esta característica nunca foi prioridade para organizações tradicionais.
Como observou Eric Schmidt, ex-CEO do Google, estas empresas foram desenhadas para minimizar riscos e falhas e não para maximizar rapidez e inovação. São as organizações “slow by design”.

Como reação a este paradoxo, as organizações tradicionais estão investindo pesadamente em Transformação Digital. E elas estão corretas, as tecnologias digitais permitem que as organizações se reinventem, transformando o núcleo de seus negócios e encontrando e explorando novas fontes de valor.

Surpreendentemente, o maior desafio que estas organizações estão encontrando nesta jornada não é tecnológico. Com o orçamento adequado é possível contratar profissionais capacitados e as tecnologias necessárias ao processo. Mas isso não basta. A Transformação Digital exige uma nova maneira de pensar e trabalhar.

Uma pesquisa conduzida pela Capgemini Digital Transformation Institute com 1.700 participantes em 340 organizações, mostrou claramente que a mudança cultural que esta transformação exige é, de longe, o maior desafio a ser enfrentado.

A Transformação Digital não pode ser realizada no modelo top-down. Ela envolve novas formas de agir e se relacionar. Hierarquias são subvertidas, dando lugar a uma cultura de colaboração em todos os níveis.

Enquanto as empresas startups já nascem com DNA para criatividade e experimentação, com uma tolerância imensamente maior para falhas e erros de percurso, a cultura das organizações tradicionais está sedimentada em bases que valorizam as certezas e aversão a risco.

O que fazer?

Neste contexto, atuar fortemente para encorajar novos comportamentos e práticas é essencial. Mas mudar envolve mexer com valores caros às organizações tradicionais como as estruturas de poder e status vigentes.

Acredito fortemente que nunca o uso de técnicas e ferramentas de Change Management foi tão necessário como agora. Afinal, são as pessoas e seus comportamentos que vão promover ou não as mudanças. E a maneira como elas estão sendo preparadas para este desafio faz toda a diferença no resultado alcançado.

Algumas gigantes como a GE, compreenderam a dimensão deste desafio e definiram uma equipe dedicada a este programa de transformação. Segundo Janice L. Semper, Líder de Transformação Cultural de GE, os valores da empresa foram adaptados para incentivar os comportamentos desejados. Foram criadas então, “as 5 crenças da GE” que explicitam estes comportamentos.
A maneira de recrutar novos talentos também mudou para garantir o potencial de alinhamento do futuro profissional da GE a estas crenças. Em seguida veio a alteração do sistema de avaliação de performance, também com o objetivo de redirecionar o comportamento humano na organização. Trata-se de um programa de transformação complexo, que ainda está em andamento sem prazo para terminar.

Já a Nestlé tem investido em iniciativas como o Reverse Mentoring, onde executivos mais antigos são acompanhados e orientados por funcionários mais jovens em temas como tecnologia, mídia social e tendências atuais. Segundo Pete Blackshaw, Global Head of Digital & Social Media na Nestlé, mais de 150 executivos seniores já passaram por este processo que tem como objetivo aumentar a familiaridade destes profissionais com temas digitais, além de aumentar sua proximidade com a vanguarda digital da Nestlé.
Outro programa que tem contribuído para a evolução cultural da organização são os Times de Aceleração Digital, onde anualmente 18 talentos promissores de diversos países, são levados para um treinamento de 8 meses na sede da Nestlé, na Suíça. Lá aprendem os comportamentos e processos dos quais se tornarão embaixadores quando retornarem aos seus países de origem, criando um efeito cascata dentro da empresa.

No entanto, vários cuidados precisam ser tomados para que iniciativas como as adotadas pela GE e pela Nestlé não terminem em um desastre. É preciso trabalhar fortemente na forma de comunicar e implementar este tipo de programa. Os profissionais mais experientes seguem sendo extremamente valiosos para estas organizações, que não podem se dar ao luxo de perdê-los para o mercado. Fazer com que estes profissionais compreendam a necessidade e a importância de adotar novas formas de trabalho, mais colaborativas e ágeis e menos hierárquicas, é crucial para que estas organizações sigam na dianteira de seus mercados.
As metodologias de Gestão de Mudanças podem e devem ser usadas em todas as etapas deste processo. Criar e compartilhar uma visão clara e ter uma liderança visível e engajada são fatores críticos de sucesso para potencializar o engajamento e minimizar as resistências que com certeza ocorrerão.

Em outras palavras, a criação de uma cultura digital em uma organização tradicional é uma jornada difícil e longa, que deve ser trilhada com o máximo de atenção e cuidado. Requer monitoramento constante e indicadores de evolução claros, mas sem ela a transformação digital não é possível.

Referências:
1. Schmidt, E.;Rosenberg,J.; Eagle,A HOW GOOGLE WORKS Grand Central Publishing, 2014.
2. The Digital Culture Journey: All On Board! disponível em: https://www.capgemini.com/consulting/resources/digital-transformation-review-10/
3. Lean Digital Transformation disponível em: http://campaign.ciandt.com/ebook-lean-digital-transformation-2017/